não digas
Não digas que vais embora assim, a despedires-te à porta, abrindo uma ferida na casa com a luz da tarde intrometida nas minhas sombras. Não saberei render-te, o crepúsculo virá indiferente e a porta uma dor negra habitada por fantasmas mesquinhos, comigo numa espera imbecil de chinelo nos pés e tronco nu, afunilado no sofá, enquanto a lua for subindo, nada lhe interessando se foste, se ficaste, e se eu. Vai haver vestígios de qualquer coisa de ti na televisão, e eu acobardado fugindo à tempestade emocional gerando remoinhos no meu peito, eu todo teso a dizer-me: aguenta-te!, olhando para as pessoas desfilando no ecrã. Vai haver vestígios de qualquer coisa de ti também na rádio, quando cansado estiver do sofá e for abrir a cama fria da tua ausência, ronronando música e vozes que não saberei escutar, eu num esforço todo tremeliques, a convencer-me: não é nada vais ver que ela ainda volta, está aí não tarda, já se ouvem os passos dela, sossega. E nada, sei que não serão os teus passos que...